16 setembro 2020

Diálogos na noite

5 de Dezembro de 2009



- As-salamu alaikum, mestre Gualdim. 
- A paz esteja contigo também, Ahmed. 
- Entre nós haverá sempre paz, mestre. Assim está escrito nas estrelas. 
- Já poucos homens olham as estrelas, irmão. 

(Ahmed, olhando para o céu...)

- Está sem dúvida uma linda noite, mestre. 
- Diz-me irmão, os teus antepassados também contemplavam as estrelas? 
- Como num espelho. 
- Como assim!? 
- Sou descendente de tribos ancestrais que habitaram as terras altas do Atlas. Os Imouharen, que significa: os livres. Também conhecidos por guerreiros azuis por usarem o tagelmust, o véu azul. 
- Descendes então do velho povo a que o vulgo chama 'tuaregue'? 
- Sim mestre. Contam os antigos que em tempos muito remotos o meu povo atravessava de África para a Península a vau, através das grandes cascatas, ainda antes do grande oceano engolir as terras médias e vinham até aqui. Muitos ficaram por cá. 
- Então o sangue dos que falam tamasheq anda por aqui, misturado, desde o fundo dos tempos? 
- Assim parece. O meu povo costumava tatuar as estrelas no peito. Diziam que cada uma delas representava um amigo que ficava deste lado. E como as observavam de lá, imaginavam-nas como que reflectidas num espelho para os que as olhavam no céu, daqui. 
- Interessante o que me contas, Ahmed. Não te atraem as tuas raízes? 
- Nasci nesta terra, mestre. Nunca conheci outra. Como a poderia trocar? Amo cada gota de água destas fontes, cada recanto destes bosques, cada pedra... 
- Nenhuma será tocada, prometo-te. 
- Entrego-te o castelo esta noite, mestre. De manhã, pelo raiar do sol já todos teremos partido. 
- Enganas-te Ahmed. O meu Rei e senhor pede-vos que fiqueis. Nada vos será tirado. As vossas casas, as vossas terras, a vossa fé. Este é o seu desejo e o meu também. Do fundo do coração. 
- Grande alegria me dás irmão. Se é esse o teu desejo e o do teu Rei e senhor, aceito comovido em nome dos meus. Alá é grande! 

(Olhando ambos para o céu...)

- É impressão minha ou esta noite as estrelas estão mais brilhantes? Que te parece alcaide? 
- A mim parece-me Mestre, que andam por lá a escrever algo de belo…

(diálogo ficcionado)

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