09 outubro 2020

Al-Faghar (9)

22 de Agosto de 2019


Santa Maria de Aqua-Lupus

Ermida de "Guadalupe" (Raposeira, Vila do Bispo) 

Neste nono e último artigo da série al-Faghar vamos falar daquele que tem sido o mais desconhecido e mal interpretado templo religioso do barlavento Algarvio; a antiga ermida de Nossa Senhora de Guadalupe. De época anterior à sua construção temos uma referência documental que nos diz: 

"No caminho peregrino que conduz ao Cabo Sagrado há no termo de Lagos uma fonte na ribeira de Lupe que tomou o seu nome de uma pedra com forma de cabeça de lobo de onde jorra copiosamente uma água claríssima e muito fresca onde os peregrinos se costumam saciar e fazer as ablações afirmando que a dita tem dons de cura." 

Da mesma época, um outro documento revela-nos: 

"...na fonte do Lobo a poente do termo de Lagos há duas pedras muito antigas em cujas inscrições se lê AQUA em uma e na outra LUPUS : as quais se crê terem dado o nome ao lugar." 

Parece-nos ser esta a origem etimológica da actual "Guadalupe" que, da romana AQUA LUPUS, teria evoluído para Wadi-Lupe (vale ou ribeira de Lupe) no tempo dos árabes. Não sabemos quando nem porquê foi feita a ligação à lenda de Guadalupe mas suspeitamos que a semelhança entre os nomes teria dado origem a este erro. Ou haverá mesmo um elo oculto, uma vez que o culto a Guadalupe já vem da época visigoda? 

Sabemos, isso sim, por constar dos nossos arquivos, que em 1315 se estabeleceram no local alguns irmãos Templários franceses* que ali edificaram "às suas custas" a ermida dedicada a Santa Maria Madalena e o pequeno albergue contíguo, de apoio aos peregrinos, junto à "milagrosa" Fonte de Lupe. 

(*- Estes Cavaleiros franceses haviam sido acolhidos pelos Templários Portugueses aquando da suspensão da Ordem em 1309 e na sequência das perseguições movidas por Filipe IV e Clemente V, refugiando-se uns nas ilhas (ver "Navegações (IV) - A frota de La Rochelle") e outros em alguns pontos no reino do Algarve. Assim que foram transferidos para Castro Marim, a ermida deixou de ser consagrada a Maria Magdalena.) 

Entre outras referências mais tardias, Gomes Eanes de Zurara diz na sua "Crónica dos Feitos da Guiné" em meados do século XV: 

"Dos outros Mouros que filharam en Tider, envyarom Lançarote e os outros capitães, [...] e a Santa Marya de augua de Lupe, hua ermida que está naquelle termo de Lagos” 

Templários com a típica cota de malha num capitel da ermida. 

Em 1317 fizeram-se na ermida os primeiros enterramentos de Cavaleiros Templários 'em túmulo com tampa de pedra lavrada' como consta dos nossos arquivos e em 1319 já o piso interior se achava lotado, pelo que se registaram alguns sepultamentos no exterior. 

Com a atribuição de Castro Marim para Sede da Ordem de Cristo, estes irmãos Cavaleiros foram para aí transferidos, tendo a ermida de Santa Maria de Lupe ficado à guarda de alguns monges que lhe fizeram a primeira reforma. Foi nesta altura que o bispo de Silves mandou retirar todas as lápides do interior da ermida, fazendo-as transportar para Lagos**, assim como muitas outras pedras que identificavam a Ordem do Templo, tendo ficado apenas algumas, entre elas as do fecho das abóbadas. 

(**- Esses testemunhos jazem hoje sob os destroços de uma casa senhorial arrasada pelo terramoto e sepultada pelo maremoto de 1755)

Pedra de fecho de abóbada com figuração esotérica 
Templária, onde se pode "ler" simbologia referente à 
transmissão oral da linhagem de Maria Madalena. 

Como curiosidade retirada do nosso arquivo e relacionada com estes cavaleiros franceses, acrescentamos o facto de ter sido um dos monges de Santa Maria de Lupe (descendente de Ludovico IV e de sua mulher Elisabeth de Bratislava) quem mandou construir a primitiva igreja de Santa Elisabete na Boca do Rio, Budens, não muito longe de Guadalupe. 

Ruínas da igreja de Santa Elisabete situada na Boca do Rio, Budens

A pequena igreja de Santa Elisabete ( o que resta dela) está implantada na área arqueológica da cidade Luso-romana, cuja curiosa referência na nossa documentação, lhe atribui o nome de Tessa-Nabal (Tessa, Tensa ou Tersa; a terceira letra não é legível no original) .

Fr. João do Paço 
cronista-mor

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