09 outubro 2020

Al-Faghar (8)

19 de Julho de 2019


O al-Faris Templário 
 

Ainda as forças cristãs lutavam nos últimos redutos da cidade de Silves e já El-Rei D. Sancho I tomava medidas para salvaguardar os habitantes muçulmanos que quisessem sair do inferno em que se tinha tornado nas últimas horas aquela presa de guerra, ainda nas garras dos cruzados nórdicos, permitindo a alguns cavaleiros portugueses que levassem em segurança pessoas e bens para terras vizinhas. 


"Coube a Martim Roque, cavaleiro da ordem do Templo, escoltar o pequeno grupo de Raissa, a filha de um rico comerciante, que tinha conseguido reunir o tesouro da família escondendo-o numa das mulas de transporte. Andando em cuidados por vales e montes chegaram à margem esquerda do rio Wad'luqta (1) que atravessaram a vau, a montante do castelo de Munt'aqût (2), para onde seguiam, quando foram avisados de que ainda havia alguns soldados cruzados a pilhar e a destruir o reduto muçulmano. De pronto o cavaleiro tomou medidas para proteger as gentes que seguiam sob sua escolta que tiveram de se esconder numa furna da serra enquanto ele e os seus companheiros de armas que eram dois sargentos de que não sabemos os nomes e um soldado muçulmano se acercaram do castelo para fazer frente aos saqueadores. Deu-se imediata escaramuça de que resultou a debandada dos nórdicos, não sem estes terem atingido gravemente Martim Roque pelas costas com um virote de besta que lhe causou a morte com grande agonia." 

Relatos posteriores dão conta que estes refugiados mouros se teriam estabelecido não muito longe do castelo destruído e entretanto abandonado, num local a que teriam dado o nome de al-Faris, (o cavaleiro) em homenagem ao martírio do guerreiro Templário. 

Lugar que é hoje a bonita aldeia do Alferce. 

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(1) - Wad'luqta (Vale do abandonado?) é actualmente a ribeira de Odelouca. Na época da narrativa, era um rio navegável até ao sopé do monte onde estava implantado o castelo de Montagud. Foi por ali que os cruzados nórdicos subiram e desembarcaram para atacar de surpresa o castelo/atalaia mourisco, nas vésperas do cerco de Silves. 
(2) - Munt'aqût (o Montagud descrito pelo cruzado anónimo que acompanhou o cerco e a tomada de Silves) fica onde está hoje o "castro" do Alferce, na serra de Monchique. Limpa toda a vegetação pela autarquia de Monchique e estudada toda a área do "castro" pelo jovem arqueólogo Fábio Capela, os vestígios postos a descoberto vieram a revelar estruturas do castelo, algumas visíveis e outras ainda subterradas, mas perceptíveis pelas elevações no terreno. 

Planta do alcácer do castelo de Montagud 


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Lendas relacionadas

Nos ditos relatos vem uma lenda que fala de um tesouro trazido nesta ocasião por uma moura fugida de Silves e que estaria escondido numa gruta da serra de Monchique. Tesouro esse, ainda não encontrado. 

Também dessa altura, encontramos hoje na Serra de Monchique, uma outra lenda de um lugar ali perto, a que chamam Poço da Serra e que aqui transcrevemos, com a devida vénia aos autores.




"Em tempos que já lá vão, havia uma moura lindíssima que dançava no Palácio das Varandas, na cidade árabe de Silves. Seu pai, um mestre sufi, fizera-a jurar que, dele guardaria o Espírito quando chegasse a hora de entregar a alma a Allah. 

Um dia, Silves viu-se cercada pelos cruzados e a bela moura foi forçada a fugir e esconder-se na Serra de Monchique, até que o cerco acabasse. Mas a cidade caiu e nas suas muralhas destruídas, caiu ferido de morte o mestre sufi. Um cavaleiro cristão encontrou-o moribundo. Sabendo da jura, promete-lhe procurar a filha. 

Vagueando pela serra, a bela moura aqui veio ter. Esperou, desesperou e em lágrimas se esvaiu. 
O cavaleiro cansado de a procurar, veio ao poço matar a sede. Foi quando vindo da água, uma voz se ouviu: 

- Trouxeste-me o Espírito do meu amado mestre. Como te agradecer? 
- Dança para mim, graciosa moura. 
- Dançaremos sempre para vós, Cavaleiro. Aqui no poço da serra..."

Lenda curiosa, que transpira no diálogo, essências de sufismo e templarismo, numa mistura de passado e presente. Diz-se que nesta casa, em noites de animação e magia, a moura aparece disfarçada e dança, cheia de graça, para o seu cavaleiro. Que, encantadas, as belas mouras dancem sempre para nós cavaleiros de todos os Templos... 

Salão onde se vê o bocal do poço ao canto e na parede o 'pergaminho'

Dizem que desses tempos, apenas sobrevive o velho poço. ...Será?
Estivemos no salão e espreitámos no poço o seu interior. No silêncio mágico que nos devolveu imaginámos o diálogo entre a bela moura e o cavaleiro.
Antes ainda de sairmos fotografámos o "pergaminho" ali perto na parede e achámos curiosas as assinaturas dos autores...




Fr. João do Paço 
cronista-mor

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