1147 foi o ano de grandes conquistas para El-Rei D. Afonso de Portugal, nosso senhor. O pacto secreto entre o soberano português e Ibn Qasî, chefe espiritual do movimento Muridin (que lutava para destronar os almorávidas), permitiu a tomada de Santarém quase sem luta. Seguia-se a bem defendida Lisboa, entretanto sitiada, onde já se encontravam, dissimulados na cidadela, os discípulos do mestre sufi. Mas um factor inesperado veio alterar toda a estratégia. Membros do clero de Braga, à revelia do arcebispo D. João Peculiar, tinham incentivado os cruzados nórdicos, cuja frota se encontrava em trânsito pela nossa costa com destino à Terra Santa, para se juntarem ao cerco iniciado pelos portugueses. [...] que, se ajudassem a tomar a cidade, ricos espólios os aguardavam.
"Chegam, e cedo se intrometem, impondo à força o seu grande número de gente".
O conflito acabaria por dar-se em duas frentes. Sem tempo para recuar, os nossos veem-se perante a urgência da tomada da cidadela aproveitando as forças já aí infiltradas, para depois (ironia do destino) ter de lhes dar protecção. Por outro lado, na necessidade de honrar os termos do pacto secreto, tentar-se-ia proteger a população durante e após a tomada da cidade.
"Mina-se a muralha oriental da almedina, que cai por terra, atraindo para aí os defensores. A porta norte é aberta para a saida de alguns muçulmanos que nos arremetem enquanto transpomos o fosso. Vendo a oportunidade, Martim Moniz atravessa-se no portão não permitindo que este se feche por completo e vê a sua vida ser-lhe tirada na ponta das lanças que o trespassam. Uma parte importante das nossas forças investe então por ali e entrados na praça de armas vê finalmente negociada a entrega do último reduto árabe que estava já sob parcial controle dos nossos aliados Muridin."
A baixa da cidade é entrada pelos cruzados estrangeiros e a maré de selvajaria abate-se sobre os habitantes. Na mira dos ricos despojos, assaltam casas, vandalizam, violam, matam indiscriminadamente. O Rei português avisa, ameaça, enfrenta as hordas de mercenários e tenta comprar a tolerância destes. Demasiado tarde para alguns, mas para os sobreviventes é a oportunidade de uma vida nova. Como sempre, ninguém seria expulso. Independentemente da sua origem, credo ou condição, haveria direitos para quem quisesse permanecer na cidade, .
Era assim que os portugueses conquistavam.
Sabendo que durante o cerco haviam sido enviados emissários árabes a Évora a pedir envio de reforços e que o então emir os tinha ignorado, cumprindo assim os termos do tratado secreto, D. Afonso I envia uma delegação de Templários à praça forte alentejana, a Silves e ao ribat de Al-Rihanâ (Arrifana) para entregar em mão cartas onde o soberano agradece a colaboração e justificando-se relata os recentes acontecimentos:
Ibn Qasî - estátua equestre dedicada pelo povo de Mértola ao grande mestre sufi
" ...Wasîr a paz esteja contigo. Já deves saber da conquista de Lisboa pelas forças cristãs. Os desígnios do Altíssimo são insondáveis. O plano traçado foi alterado por motivos inesperados. Como sabes a cidade seria tomada com a ajuda dos guerreiros Muridin, derramando-se o mínimo de sangue, tal como aconteceu em Santarém, mas tal foi gorado pela inesperada presença de forças estrangeiras. Cruzados que a tudo se impõem pela força e nada nem ninguém respeitam. Foi empresa dificil entrar Lisboa e defendê-la ao mesmo tempo. Como sabes não nos movem as riquezas materiais; essas deixámos às mãos dos bárbaros cruzados para a poupança de vidas. Envio-te os meus emissários do Templo que portam esta carta onde te rogo a tua compreensão e clemência. O pacto estabelecido com Ibn Qasî mantem-se com a lealdade e firmitude com que nele roborei..."
Para selar o pacto secreto com Ibn Qasî, Afonso I de Portugal oferecera-lhe um cavalo, um escudo e uma lança. Um gesto carregado de simbolismo. Este pacto viria a custar a vida ao mestre sufi quando, atraído sob cilada ao palácio das varandas, no castelo de Silves, é assassinado pelos espiões almóadas que o decapitam e passeiam a sua cabeça espetada na lança que o Rei Templário lhe havia oferecido.
Tem-se atribuído erradamente este assassínio à população de Silves, assim como ao longo do tempo se tem ignorado e denegrido a imagem do mestre Ibn Qasî. Do mesmo modo se tem dado uma imagem errada de El-Rei D. Afonso I de Portugal retratando-o como um implacável e feroz mata-mouros. O ódio entre cristãos portugueses e islamitas muçulmanos foi criado à conveniência política e religiosa dos historiadores.
A Futuwâ ou Cavalaria espiritual pressupõe o respeito pelo adversário, a generosidade e a protecção dos mais fracos. Nas imagens, os cavaleiros árabe e cristão abraçam-se fraternalmente e jogam xadrez. As lanças cravadas, em paralelo, no solo significam trégua e tolerância.
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