Era conhecido como o maneta de Thomar. Semi-nu, cobria-se com uma simples pele de borrego, a qual não conseguia evitar que quase desfalecesse de frio, naquela tarde de outono de 1179. Os garotos, cruéis, não perdiam a oportunidade de lhe jogarem pedras, obrigando-o a encolher-se como um farrapo humano a um canto da calçada mourisca que levava ao castelo. Tratavam-no como um cão sarnento e, como um cão, comia no chão os restos que lhe atiravam com desprezo. Baixava a cabeça, envergonhado, quando o maltratavam e só a levantava para sustentar com um olhar de profunda tristeza, a humilhação de ouvir:
" Aos ladrões é que costumam cortar as mãos. Para que não voltem a roubar."
Pero Vintes, tinha sido recentemente destacado de Soure para Thomar integrado num grupo de cavaleiros Templários. Já se tinha cruzado algumas vezes com aquela pobre criatura e foi-se inteirando da sua precária condição. Naquela tarde, decidiu-se a saber mais:
- Paz, irmão. Há dias que vos observo e sou levado a pensar que a vossa mão esquerda, aquela que humildemente suplica, poderá contar da mão destra, que vos falta, uma história muito diferente da que por aí maldosamente contam. Se assim é, gostaria de ouvir a vossa versão.
O pobre homem assentiu com a cabeça e timidamente levantou-a mostrando uns olhos marejados de lágrimas:
- Assim é, senhor. Sabei que a mão que aqui falta, foi sempre honrada. Selou muitos compromissos até ao dia em que me foi impossível cumprir um deles. Coberto de vergonha, jurei que essa mão não voltaria a apertar outra para selar o que não podia cumprir, e com a minha própria espada, a cortei fora. Compreendei, senhor, que esta sombra do que fui e que hoje aqui vedes, não é a de um reles ladrão mas a de um infeliz incumpridor.
O Templário não necessitava ouvir mais nada da boca daquele homem.
- Homens como vós fazem-nos falta. Vinde comigo. Não se senta no chão quem merece um trono.
- Senhor, não vos posso acompanhar. Vossos irmãos certamente irão me rejeitar!
Ajudando o infeliz a levantar-se e cobrindo-o com o seu manto branco, Pero Vintes disse-lhe baixinho:
- Não é para a que conheceis, que vos convido. Vinde Irmão, espera-vos a verdadeira Ordem...
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Texto adaptado da crónica "Memorias de hum Tempreiro"
A foto é um tributo à memória do artista Joaquim Vieira Basilio, o "mendigo Basilius", personagem contemporânea, presença habitual nas feiras medievais. Um abraço dos Templários Portugueses.
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